A estrutura da presente exposição de Rita Carreiro, intitulada Espólio Entomológico “e que constitui a sua primeira apresentação pública em termos individuais, assenta num obstinado trabalho em torno de metáforas antonímicas, onde conceitos como vida e morte, orgânico e inorgânico, modelo e imitação, ciência e arte, são diversamente elaborados. Partindo de uma matriz que justapõe, na maior parte dos casos, a pintura e o desenho a objectos que servem de receptáculo à exibição de insectos cuidadosamente conservados, tal como os mais profissionais coleccionadores e especialistas o fazem, a autora consegue, deste modo, subverter com uma ironia quase mórbida a nossa percepção do fenómeno estético.
De facto, somos confrontados com um conjunto de obras onde a expectativa da apreensão de uma pulsão vitalista – nomeadamente nos elementos da natureza que são literalmente encaixados na esfera artística – é defraudada na medida em que esses seres passaram a funcionar como peças de composições decorativas, imobilizados e intemporalmente fixados na voragem para-científica do ímpeto de conservação comum a qualquer coleccionador. Pelo contrário, nos elementos da exposição que mais convencionalmente se apelidariam de artísticos – as pinturas e os desenhos – a pulsão vitalista anteriormente referida ganha uma densidade muito particular, já que se estruturam a partir de formas vincadamente orgânicas – como se pode de modo paradigmático atestar na tela “Fungus“.
Em termos interpretativos é aqui fundamental estarmos cientes de que estes trabalhos pictóricos não se baseiam em formas inventadas, mas sim em composições e texturas que representam elementos dos próprios insectos expostos nas caixas: estranhamente, a arte transforma-se, assim, mais próxima da vida do que a própria natureza, aqui remetida para uma espécie de limbo fantasmático. Ou ainda, evocando a metáfora magistralmente concebida por Oscar Wilde em “O retrato de Dorian Gray“ é a imitação /representação que se apropria da vida do próprio modelo.
A questão da mimesis, central em toda a estética ocidental, é aqui problematizada por via de uma colagem curto-circuitada à natureza :tal como os insectos que se designam por “miméticos”, dada a sua capacidade de se adaptarem ao meio ambiente mudando de coloração, também a arte parece, neste caso , procurar refugiar-se no ambiente geral criado por este espólio entomológico, para assim melhor sobreviver e afirmar a sua vitalidade.
Que a autora não crie e trabalhe em contraponto directo com a natureza, mas coleccione e investigue plástica e conceptualmente a partir de elementos mortos e artificialmente conservados, só vem aduzir um carácter de distanciamento fúnebre a estes trabalhos, porquanto neste projecto se entrecruza numa dimensão cenográfica aquilo que foi vivo com o que pretensamente dá vida às formas – ou seja, a arte.
Miguel von Hafe Pérez
Janeiro de 1998.